A ARTE DE PERDER por Elisabeth Bishop

Poéticas da Existência
2 min readSep 1, 2021

“A arte de perder
A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério”.

Elizabeth Bishop

Poemas escolhidos, tradução de Paulo Henriques Britto

O poema de Elizabeth Bishop nos deixa o convite: perder.

Causa estranhamento, não é?

Pois é isso que queremos, instiga-lós a refletir sobre o que o verbo perder faz mexer por aí.

A arte de perder não é difícil de dominar, foi o que entendi Elizabeth dizer, no poema original em inglês. Enquanto lia, ecoava que perder era uma arte não difícil, e isso me provocava.

Mas como assim?

Compreendia sua arte, sua poesia, a sentia.

Mas aquela simplicidade em lidar com a inconstância e impermanência, me faziam assentir com a cabeça, ao mesmo tempo que me fazia sentir revirada.

Perder…
Mas o que é perder?
Penso, que na produçao de subjetividade do nosso tempo, impera a ideia de que perder é ausência. É deixar de possuir algo. É a falta. É a falha. Oposto de ganhar.

Mas a cada perda da poeta, eu via uma afirmação de vida.
Ela perdia, das coisas mais banais, como as chaves, até as mais opulentes como cidades, casas, rios, um continente e um império! Mas nada disso parecia ser sério. E mais, porque perder deveria ser sério?
De todas as coisas que ela perdeu, inclusive pessoas, ela diz que a arte de perder, mesmo que se pareça a um desastre, não é.
Em sua poesia, perder parece uma força que a faz andar e não algo que a paralisa. É a nossa capacidade de fazer algo a partir do que nos acontece. Tem um cheiro de amor fati, amor ao destino, que se apresenta tal como é e convoca em nós a vontade de fazer viver apesar de tudo que poderia nos fazer morrer.

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Poéticas da Existência

Coletivo de psis na cidade de Porto Alegre / RS, buscando construir ferramentas para atuar com psicologia social contempôranea, esquizoanálise e decolonialidade